De repente desmarcamos o jantar com os amigos. Desmarcamos a festa de aniversário. Desmarcamos o almoço de família. Desmarcamos o dia do pai. Desmarcamos os planos para a próxima folga. Desmarcamos a ida à praia. Desmarcamos.
Começámos a ouvir falar do Covid-19 no inicio do ano. Lá na China. Tão longe. E todos nós continuámos com a nossa vida, certos de que seria um pequeno surto, como tantos outros já aconteceram. As semanas passaram e o vírus espalhou-se. Cada vez mais. Passou de ser um surto que duraria pouco tempo, para ser uma pandemia a nível mundial. Deixou de ser algo que estava a acontecer na China, para ser algo que acontece em todo o mundo. Que nos acontece a nós, nas nossas pacatas cidades onde parece que nunca nada acontece. Mas está a acontecer.
De repente estamos a ser bombardeados por noticias que pouco têm de sensacionalismo quando nos dizem “fiquem em casa” ou “lavem as mãos”. De repente, tudo o que temos planeado começa a ser pouco a pouco cancelado. Ou colocado em stand-by. A dúvida instala-se. O receio instala-se. É algo que não se vê e, claramente, que pouco podemos fazer para controlar. E quanto tempo irá demorar? Não fazemos a menor ideia. Acordamos todos os dias e esperamos pelo momento em que se anunciam os novos números. Será que está pior? O que aconteceu nas últimas 24h enquanto ficámos em casa a saltar de atividade em atividade, tentando mantermos-nos sãos. Tentando não nos deixarmos levar pelo sentimento de medo do desconhecido.
De repente, reclamarmos porque nunca temos tempo para estar em casa já não nos parece assim tão significativo. Aliás, reclamar no geral, parece-nos um pouco insignificante. A menos que seja reclamar com as pessoas que insistem em sair à rua desnecessariamente.
De tudo o que tenho lido, o que mais me marcou o coração foram todos os textos acerca de: o mundo obrigou-nos a parar. A olhar para dentro. A sentir empatia com o próximo. E dentro da nossa impotência perante este monstro silencioso, temos todo o poder do mundo. Mantendo-nos quietos. Em casa.
Acredito que de algo que não escolhemos, que nos foi imposto, sairão frutos preciosos. Vai depender exclusivamente de nós. Aproveitemos então e paremos.
O que nos faz mais falta nestes dias, fechados? É a familia? Pois falemos com ela através dos meios disponíveis. E logo que haja oportunidade, que a abracemos, que lhes digamos o quanto a amamos. E daqui a uns meses, quando esta pandemia não for mais do que uma memória, lembremo-nos de continuar a amar, a abraçar e a aproveitar o tempo que temos com aqueles que nos são tudo.
O que nos fazia falta, quando a vida corria e não tínhamos tempo para nada? Era dormir? Pois aproveitemos umas horas extra na cama. Era falta de tempo para cozinhar? Pois dediquemos horas à cozinha, aos cheiros e aos sabores. Era falta de tempo para meditar? Pois tiremos 5 minutos e criemos esse hábito. Era falta de tempo com aqueles com quem dividimos casa? Pois que aproveitemos o tempo para fazer atividades em conjunto, para rir, para conversar, para nos ligarmos. Era aquele projeto que está na gaveta por falta de tempo? Pois não há falta de tempo agora, tiremos esse projeto da gaveta.
E, não menos importante, aproveitemos este tempo para realmente parar. Para olhar para cada aspeto da nossa vida. Estamos onde queríamos estar? Fazemos o que queríamos fazer? Estamos a aproveitar o tempo que temos? Estamos a desperdiçar tempo em situações que nada nos acrescentam?
Se calhar, no fim de contas, esta pandemia poderá ter sido um presente do Universo. A vida é tão curta, tão frágil. Temos tão pouco poder sobre o tempo. É um ótimo momento para refletir. E para começar a agir dentro do que nos é permitido. Porque tal como um dia acordámos e a pandemia nos tinha atingido, vamos também acordar um dia e a pandemia ter-se-á despedido de nós. O que faremos nesse momento?
Deixe uma Resposta